sábado, 30 de abril de 2011

O Gênio

A esse gênio maldito que mora em mim, ele custa, demora, mas acaba me vencendo de vez enquanto. Sobre horários ele é muito intransigente se chega na hora, espera dez minutos liga uma vez na segunda já indo embora, não aceita desculpa e já era, foi-se o animal campo a fora dando coiçe pra tudo que é lado. Depois senta pensa, se esconde em meu corpo que entra em contato com a torre e volto a analisar irônicamente minha atuação, do ponto de vista de quem viu de fora e ri, porque o gênio se escondeu, é como ficar nú diante da platéia. Aplausos!

quinta-feira, 21 de abril de 2011

AOS NAMORADOS - Fernando Pessoa

Todo o homem de hoje, em quem a estatura moral e o relevo intelectual não sejam de pigmeu ou de charro, ama, quando ama, com o amor romântico.
O amor romântico é um produto extremo de séculos sobre séculos de influência cristã; e, tanto quanto à sua substância, como quanto à seqüência do seu desenvolvimento, pode ser dado a conhecer a quem não o perceba comparando-o com uma veste, ou traje, que a alma ou a imaginação fabriquem para com ele vestir as criaturas, que acaso apareçam, e o espírito ache que lhes cabe.
Mas todo o traje, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e em breve, sob a veste do ideal que formamos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em quem o vestimos.
O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceita desde o princípio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.


Trecho [111] de O Livro do Desassossego.

A Falta

A insatisfação é condição para o desejo humano - é uma busca ilimitada do objeto sem que a falta desapareça. Não existe o objeto, que solucione esse problema que se tem com a falta, ela não deixa de existir, não termina apesar de filhos, realização profissional ou amorosa.
Se manifesta pela subjetividade do indivíduo, o que se passa no intimo de cada um, o que ele vê, sente ou pensa em relação a algo e que não tem padrão, mas seus desejos são sempre o reflexo das suas insatisfações influenciadas pela sua cultura, religião, educação somadas as suas fantasias de uma situação de completude diante do objeto. Não existe nada que preencha essa lacuna, pois essa falta constitui o desejo e vai sempre existir. Se deseja, anseia e persegue e logo em seguida projeta a falta em outro objeto e assim vai indo infinitamente. Nem a consciência disso torna ninguém livre, mas capaz de adotar uma nova postura.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Solvente Universal

Dia cinza frio e molhado
Me sinto tão solúvel
Como café granulado ao leite
Krishna e Radha observam a chuva
Ao lado do gato pela janela.
Na árvore, passarinhos agitados
Em frenética gritaria, disputando
Cada galhinho que a natureza lhes concedeu
Daqui a pouco estarão todos calados,
Faz tardinha, a chuva cai mansa
Em dias assim eu fico escutando, escutando ...
... e me dissolvo.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Eu Te Amo - Tom Jobim / Chico Buarque

Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir

Ah, se ao te conhecer
Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir

Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir

Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu

Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu

Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair

Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir